Cláudio Venturini



Luís Cláudio Venturini, nasceu em Belo Horizonte no dia 14 de agosto de 1958, é um guitarrista, vocalista e compositor brasileiro.
Formou-se em Eletrônica e iniciou seus estudos musicais no piano, mas logo desistiu por não gostar de partituras. Estudou gaita – por ser um instrumento barato –, depois flauta e acabou encontrando no violão seu instrumento musical que o levaria mais tarde à guitarra. Como não tinha dinheiro para comprar uma, trocou sua bicicleta por duas guitarras, sendo que uma delas acabou virando um carrinho de rolimã.


Quando ligou sua guitarra pela primeira vez em um amplificador, Cláudio sentiu que era isso que queria fazer da sua vida: ser guitarrista. Sua mãe era proprietária de uma pensão onde moravam estudantes de medicina e Cláudio passou a ocupar a garagem, que virou seu quarto e estúdio. Lá aconteceram os ensaios do show “Fio da Navalha” e os ensaios de Beto Guedes, Toninho Horta e Tavinho Moura. Devido à sua experiência em eletrônica, tornou-se o operador de som oficial nos shows dos amigos. Cláudio teve como padrinho musical Lô Borges que o convidou a participar de sua banda e da gravação o disco “Via Láctea”, iniciando assim a sua carreira musical.
Um ano mais tarde foi também co-fundador do grupo 14 Bis, ao lado do irmão Flávio Venturini e onde está até hoje.



Em 1987 quando Flávio deixou o grupo Cláudio assumiu os vocais principais da banda dando uma nova cara ao grupo.
Compôs alguns dos grandes sucessos da banda, entre eles: Mesmo de Brincadeira (c/ Vermelho e Mariozinho Rocha), Xadrês Chinês (c/ Vermelho e Chacal), Sonhando o Futuro (c/ Lô Borges) que foi regravada por Beto Guedes e Canções de Guerra (c/ Sérgio Vasconcellos e Chico Amaral).

Entre em contato direto com Cláudio Venturini através do email: claudioventurini@14bis.com.br







Depoimento extraído do Museu da Pessoa - Clube da Esquina


IDENTIFICAÇÃO
Nome, data e local de nascimento

Meu nome é Luis Cláudio Venturini, nasci aqui em Belo Horizonte no dia 14 de agosto de 1958.

FAMÍLIA
Nome dos pais

Meu pai se chama Hugo Venturini e minha mãe, Dalila Vieira Venturini.

FAMÍLIA
Irmão: Flávio Venturini

Eu me lembro de música quando eu tinha quatro anos de idade. Meu irmão Flávio é nove anos mais velho do que eu, então, naturalmente, o Flávio com essa idade, 13 ou 14 anos, já escutava muita coisa em casa e eu tive contato com a musica através disso. Eu lembro que ele escutava muito Beatles e eu adorava escutar Beatles também, então eu já comecei a escutar uma boa qualidade de música ainda pequeno. Depois, o próprio Flávio começou a tocar em bailes quando tinha lá seus 18 anos, foi na época que ele fez exército com o Vermelho também.

FORMAÇÃO MUSICAL
O primeiro instrumento

Nessa época tinha um piano em casa e ele fazia aula de piano. Eu fazia também, eu tinha nove anos. Comecei a fazer piano, mas não me dei muito bem com o piano, porque eu não gostava de ler Partitura , então eu enganava a professora. Ela punha a Partitura e eu tocava de ouvido, até o dia que ela trocou a Partitura e eu toquei a mesma música. Foi a descoberta do meu golpe e aí eu desisti do piano (risos). Depois é que eu achei o Violão , o Flávio sempre tinha um Violão em casa. Então a música praticamente nasceu junto comigo, por conta de ter um irmão mais velho que já trabalhava com música.

FAMÍLIA
Relações Familiares

Olha, os meus pais apoiaram mais ou menos. Na verdade, eu sempre fui aquele chamado CDF da minha turma, eu gostava muito de estudar, gostava muito de ler, eu tinha muito livro em casa, li a biblioteca do Senac quase inteira, eu lia o dia inteiro, eu gostava muito de eletrônica, desse tipo de coisa, mas gostava muito de música também. Então a tendência natural lá em casa era falar: “Não, o seu irmão é Músico e você está querendo imitar o seu irmão”, aquela coisa de irmão mais novo. “Não mexe com isso não, a sua coisa é outra, você gosta de estudar.” Mas com o passar do tempo eles notaram que também o meu caminho era tocar, aí deram força também.

FORMAÇÃO MUSICAL
Primeiros Instrumentos

Porque o pessoal tocava muito lá em casa, o Vermelho mudou pra lá. A minha mãe alugou um quarto pra ele quando ele saiu do CPOR e ele e o Flávio ficavam fazendo música, tocando ali o tempo todo. Quando eles saíam, eles não me deixavam colocar a mão nos instrumentos. “Menino pequeno, vai quebrar!”, aquela coisa toda. Quando eles saíam pra fazer alguma coisa, eu ia lá investigar, então tinha um Violão lá que eu comecei a tocar. No começo, eu achava que quanto mais suave você pusesse a mão no Violão melhor sairia o som, mas não saía som nenhum e eu falei: “Que coisa estranha, a gente põe a mão devagar e não funciona”. Depois eu percebi que se pressionasse as cordas a coisa dava mais certo.
Com o tempo, o instrumento mais barato que eu pude conseguir foi uma gaita. Aí eu consegui uma gaitinha. Tinha um outro amigo nosso que morava na casa, o Kimura, que tocava gaita com eles e aí eu escutava e falava: “Ah, isso aqui dá pra mim”. Comecei então, aprendi a gaita e depois eu comprei uma flauta doce, que eram instrumentos fáceis de conseguir; comecei a tocar a flauta e depois é que eu fui pegar o Violão . Mais tarde, eu troquei uma bicicleta minha por duas guitarras que eram horríveis, era uma Felpa e a outra eu nem lembro o que era. Eu sei que das duas eu fiz uma, tirei o que servia de uma e juntei na outra. Do que sobrou eu botei duas rolimãs atrás e uma na frente (risos) e aí usava para descer a rua com a guitarrinha. Você senta onde se toca e no braço você coloca uma madeira em frente e faz a guia, é aquela famosa de uma rolimã só na frente e duas atrás, é até um formato bem aerodinâmico. Pra você ver como a Guitarra era ruim, o braço era tão grosso que conseguia agüentar isso, foi muito engraçado, mas foi minha primeira Guitarra . Eu gostava mais, achava a Guitarra interessante, aquela coisa de jovem mesmo, o Violão era bacana, mas um som meio assim. Quando eu liguei pela primeira vez uma Guitarra num gravador que a gente tinha lá, na verdade acho que era um Rádio , uma coisa assim, a gente fez uma gambiarra. Eu estudava eletrônica e quando ligou a primeira vez a distorção, eu falei: “É isso! Isso aqui é que é a maravilha de som”.

FORMAÇÃO MUSICAL
Preferências Musicais

Eu nunca gostei de música brasileira, nessa época eu não gostava de música brasileira de forma alguma, escutava Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin, The Who, Deep Purple, só essas coisas. Eu só comecei a gostar de música brasileira justamente por causa do pessoal do Clube, porque foi quando o Flávio começou a ouvir o disco “Clube da Esquina” e o disco do Lô, do tênis. Quando eu ouvi, eu falei: “Uai? Não é que tem algumas coisas no Brasil que são legais”, porque eu não gostava muito dessa historia de bossa nova. A música que se tocava no Rádio , no Brasil naquela época, você tem uma tendência a contestar, ainda mais garoto. Eu não gostava, mas aí eu escutei o Milton e o Lô e falei: “Ah, isso é bom!” e aí comecei a ouvir aquilo.

PESSOAS

Beto Guedes

O primeiro contato foi com o Beto Guedes, porque ele morava ali, acho que era na Rua Tupis, se não me engano, e o Flávio e o Vermelho conheceram o Beto. Imediatamente, ele passou a ir muito pra minha casa, então eu escutava o dia inteiro esses caras tocando, fazendo música. Eu me lembro quando o Beto gravou o primeiro disco, que nem foi o primeiro disco dele, foi aquele disco com o Novelli, com o Toninho e com o Danilo Caymmi. Eu lembro deles ensaiando exaustivamente meses na minha casa, eu sabia de cor, “Belo Horror” era uma das músicas, a outra eu nem me lembro agora, a música era enorme, tinha, sei lá, 15 minutos, “Belo Horror”. Eu até achei muito estranho que eles foram pro Rio gravar esse disco e quando eles voltaram, eu escutei a música e falei: “Mas não era isso que vocês tocavam aqui não” (risos), diminuíram a música, a música ficou desse tamanho. Também não tinha cabimento, ia ser um disco inteiro.

LOCALIDADES DE BELO HORIZONTE
Garagem dos Venturini

Então eu conheci o Beto primeiro, e o Lô eu conheci quando eu morava ali na Rua Rio Grande no Norte com Avenida Pasteur. Minha mãe tinha um pensionato onde moravam 42 mulheres e de homem na casa éramos eu e meu pai. Naturalmente, me colocaram na garagem, porque nessa época eu já tinha uns 13, 14 anos e já não dava muito pra ficar por ali, adolescente, cheio de mulher na casa, tudo estudante de medicina por causa da faculdade que é ali do lado. Aí eu transformei essa garagem. Além de eu dormir nela, eu fiz um Estúdio como esse daqui. A gente colocou essas placas, eu comprei de uma Rádio que faliu em Belo Horizonte e a gente tratou o som. Então o pessoal começou a ir lá. O Beto ia muito. Tinha uma mesa de pingue-pongue enorme, então a gente vivia jogando pingue-pongue e tocando, quer dizer, mais ele, eu ainda estava começando a tocar. Eu escutava o Beto, o Toninho Horta, o Tavinho Moura... Foi todo mundo lá, o Milton esteve lá, todas essas pessoas passavam por lá. Primeiro, tinha uma platéia muito bonita, então o pessoal já se interessava, porque era uma garagem que tinha tratamento sonoro, então podia-se tocar, não tinha problema com barulho. Foi um lugar que marcou bastante, todo mundo se lembra da famosa garagem da Rio Grande do Norte. O Telo Borges era outro que aparecia lá e ele era da minha geração. Ele é um ano mais velho que eu, se não me engano, ou tem quase a mesma idade, então a gente tocava também algumas coisas ali enquanto os caras saíam pra fazer alguma outra coisa. Ficava cheio de instrumentos...
Essa platéia bonita eram as meninas do pensionato. No fim de semana, elas ficavam por ali, ou então elas estavam estudando – porque o pessoal que estuda medicina estuda muito, tem que ler muito. A galera naturalmente estava sempre tocando ali na garagem, era próximo e tinha um jardim no meio, então as meninas sempre vinham ver. Foi lá que o Beto conheceu a mulher dele, a Silvana. Muitos namoros saíram dali, muita gente se conheceu ali. Eu acho que a Silvana não chegou a morar lá em casa, mas não sei por quê. Acho que ela conhecia alguém ali, uma das meninas, então eu lembro da Silvana lá em casa também. Muita gente passou, tinha umas americanas, era engraçado, teve aquele peace corps e eles mandaram na época algumas meninas dos Estados Unidos pra fazer intercâmbio aqui no Brasil e elas ficaram lá em casa. Era engraçadíssimo, as americanas não falavam nada de português e a gente não falava nada de inglês, então ficava uma comunicação muito divertida. Era um caldeirão bem interessante de gente diferente e muitos músicos.

LOCALIDADES DE BELO HORIZONTE
Esquina da Rua Divinópolis com Rua Paraisópolis

Eu acho que o Clube da Esquina já existia realmente, eu acho que ela foi uma ponte também. A gente saía de lá e ia para a famosa Paraisópolis com Divinópolis. Eu ia pra lá encontrar o Lô, encontrar o pessoal que estava sempre ali naquela esquina tocando Violão . Quando não estavam lá, eles vinham para a garagem, então eu acho que era um outro ponto da cidade que tinha mais ou menos o mesmo tipo de encontro, as pessoas se encontravam pra tocar.

FORMAÇÃO MUSICAL

Show: O Fio da Navalha

É, “O Fio da Navalha”. Isso foi interessante, porque era chamado “25 de Dezembro” e ninguém fazia show no dia 25 de dezembro. Eu não lembro de quem foi a idéia de se fazer o show no dia 25, acho que foi do Flávio. A primeira impressão é que não daria certo porque ninguém iria a um show desses. Mas o pessoal falou: “Não, mas 25 todo mundo está aqui, 24 é que é a ceia e 25 é um dia bom”. E ficou durante muitos anos; os ensaios eram lá. Aí pintava o Toninho Horta, até o Sirlan teve uma época lá, Tavinho Moura... Quem mais? O Beto, o Lô, tinha mais gente, Yuri Popov... Tinha uma galera. Eu era o técnico de som dessa turma porque eu fazia eletrônica. Eles achavam – e eu logicamente também achava – que eu não estava maduro o suficiente para participar daquilo, mas eu operava o som deles. Dali a gente fez muitos Fios da Navalha e dali também saiu o primeiro disco do Beto Guedes, “A Página do Relâmpago Elétrico”, que eu também fiz o lançamento como técnico. Eu fiz uns 30 shows com o Beto acompanhando essa turma toda. E o “Fio da Navalha” tem um detalhe: não foi feito só Belo Horizonte, teve um show famoso em Viçosa que eu acho que foi a maior vaia que essa turma já tomou na historia deles. Devia ter umas cinco mil pessoas em um ginásio e tinha um jogo não sei se de basquete, uma final de basquete local que era depois do show. Aí você imagina, o Lô, o Beto... Era vaia, ninguém ouvia nada, ninguém conseguiu tocar nada. Sempre que eu vou lá eu falo: “É, aqui foi o único lugar que eu vi esses caras tomando vaia séria”.

DISCOS
Clube da Esquina – 1972

Esse disco pra mim realmente foi um impacto, pra mim mudou, foi um divisor de águas na minha vida, porque eu não gostava de música brasileira, eu achava que música brasileira não tinha nada a ver. Quando eu escutei, foi uma música que eu nunca tinha escutado em lugar nenhum, nada parecido com aquilo, não se parecia com nada que era feito no Brasil e tinha uma qualidade enorme, era uma coisa pop. O Clube da Esquina tinha isso, de ser uma coisa inovadora realmente, mexeu comigo mesmo, ali mudou o meu caminho totalmente. Se eu não tivesse escutado aquilo, talvez hoje eu estivesse tocando no Sepultura ou alguma coisa assim (risos). Eu era um cara mais chegado para esse lado de guitarras destorcidas e tal. Ao ouvir aquilo é que eu percebi que as duas coisas poderiam caminhar juntas.

MÚSICAS
Clube da Esquina 1, Tarde

Eu gosto de “Clube da Esquina 1”, eu acho que é a que eu mais gosto delas. E do Milton, especificamente, eu me lembro que quando eu escutei aquele disco dele com aquele saxofonista, o Wayne Shorter, quando eu escutei aquela música “Tarde”: (cantando) “Das sombras quero voltar...”, eu lembro que eu fiquei assim: “Nossa Senhora, que coisa séria, isso”. Isso faz muito tempo, foi um dos primeiros discos do Milton, ele nem gravou aqui.

PESSOAS
Lô Borges

O Lô foi um cara que me colocou no meio. Eu falo que o meu padrinho na verdade, embora meu irmão tenha me dado muita força, foi o Lô. Porque o Lô vivia lá na minha casa, a gente tocava, mas sem muita... Era eu e o Paulinho Carvalho, que até vai vir aqui dar o depoimento dele. A gente ficava tocando sem compromisso. O Lô tinha acabado de lançar o disco do tênis, aí, eu não sei por quê, ele cismou com o pessoal com quem ele tocava no Rio. Ele estava achando que não estava legal e voltou para Belo Horizonte. E a gente começava a tocar e ele foi me ensinando as músicas dele. Ele pessoalmente foi me passando uma por uma. Eu não sabia tocar aquelas músicas e ele me passou e me chamou pra tocar com ele. Eu tinha, sei lá, 16 anos para 17 anos de idade, eu não tinha me formado, estava fazendo o segundo grau ainda, era muito novo, realmente. Aí a gente começou a fazer shows, éramos eu, Paulinho Carvalho, Mario Castelo, André Dequech, aquele grande pianista e violinista, e o Lô. A gente tinha uma banda e começamos a fazer shows. Foram os primeiros shows da minha vida. Ele me chamou pra gravar o disco “Via Láctea”, que também foi a primeira gravação que eu fiz profissionalmente antes do 14 Bis, porque no 14 Bis eu já devia ter quase 20 anos quando a gente formou a banda – mas antes disso a minha historia era com o Lô. Nisso, o Flávio estava em São Paulo com o Terço, estava terminando o Terço e estava começando a fazer turnê com o Beto e o Milton. Foi quando o Milton gravou “Nascente”, que é daquele disco “Clube da Esquina 2”, que foi onde eles participaram mais ativamente, o Flávio e o Vermelho. Nisso, eu estava com o Lô. Quando o Flávio chegou aqui, já me achou trabalhando com o Lô, então eu falo que o meu padrinho na verdade é o Lô (risos).

FORMAÇÃO MUSICAL
Clube da Esquina: Avaliação

Eu acho que realmente é porque ele difere de tudo. Se você for ouvir o que se fazia de música na época, não há parâmetros. O Milton fala um negócio que eu acho muito bacana: como ele morava em Três Pontas, ele ouvia Rádio , mas às vezes as coisas vinham meio assim, então ele criou uma maneira de tocar inusitada. Você vê o Milton tocando Violão , você vê o Lô tocando piano, eles inventaram uma maneira de tocar muito própria, eles não tiveram uma escola: “Ah, vamos aprender assim, porque é assim que se toca”. Não. O ouvido veio e eles foram chamando e aquilo deu uma identidade, uma originalidade ao movimento, que eu acho que é a grande força dele. Juntou-se isso aos poetas, ao Marcinho principalmente, que é um cara que escreveu coisas fantásticas... A letra de “Clube da Esquina 1”, por exemplo, eu adoro, porque ela fala exatamente sobre aquela história que o pessoal vivia ali na esquina e aquela noite em que o Brasil estava dentro dela, era uma resistência. Um lado que a gente não fala é que nós éramos visitados pela polícia diuturnamente. A nossa garagem lá também, muita gente pulou muro lá pra escapar da polícia, do DOPS, eu cansei de ver isso. Na minha casa a gente escondia o pessoal dentro dos quartos para não serem presos, rolava uma perseguição muito grande no Brasil. Então a música era a saída dessas pessoas e isso marcou muito.

LOCALIDADES BELO HORIZONTE

Esquina de Rua Divinópolis com Rua Paraisópolis

Ficava tocando Violão a noite inteira, sempre, tomando cerveja. Na época eu nem bebia direito. Ficava mais era tocando Violão mesmo ou na casa do Lô, porque ele tinha o piano, ou na esquina. Eu fica muito vendo eles tocarem porque eu estava muito novo, estava começando, então ficava tentando aprender, vendo o Lô tocar.

FORMAÇÃO MUSICAL
Influências

Naquela época, se escutava muito progressivo. Inclusive lá em casa, nessa garagem, a gente passava dias analisando discos. Lembro de um cara que era muito bom nisso, impressionante, e continua sendo: o Beto Guedes. Ele tem um ouvido que a gente fala que realmente é impressionante. O Beto escuta umas coisas e fala: “Bicho, essa nota aqui...”. Aí você fala: “Que nota?”, mas vai ouvir e está lá. Então a gente pegava aqueles discos do Genesis e era uma festa: “Saiu o disco novo do Genesis!”. Tinha reunião em casa pra ouvir aquilo, ou então juntava todo mundo, era uma coisa sagrada, escutava aquilo 20 vezes, decorava aquilo. A Mahavishnu Orchestra também, do John McLaughlin, a gente analisava aquilo profundamente e aquilo é uma música impressionante pra 1970, 70 e poucos, é uma musica que hoje ainda dá um impacto fortíssimo. Muita gente estava presente porque tudo mundo gostava, o Beto, o Lô, o Flávio, o Vermelho, a gente fazia fila naquela famosa Pop Rock, aquela loja de disco da Rua Tupis que era aonde chegavam esses discos. Me lembro que nós compramos todos, tínhamos todos os discos do Genesis , do Pink Floyd e da Mahavishnu e ela teve uma influência muito grande no trabalho de todos esses músicos. Eu me lembro de uma música do Beto, “Belo Horror”, que tinha quase 15 minutos. Ela tinha um lado progressivo muito forte que depois foi diluindo um pouco mais, o pessoal foi fazendo mais canções, mas eu acredito que o lado instrumental disso é forte no trabalho de todos até hoje.

Tirávamos as músicas todas, as letras, aquela coisa de ficar copiando mesmo, não tinha facilidade de hoje, era no LP mesmo, na mão, indo e voltando, indo e voltando até tirar. Graças a Deus, o pessoal sempre teve o ouvido muito bom e uma facilidade muito grande de tirar as coisas, de tocar aquilo, porque são músicas difíceis. Tinha o Gentle Giant, que era também outro conjunto complicadíssimo que o pessoal ouvia.

FORMAÇÃO MUSICAL
Ensaios

E tinha umas brincadeiras que a gente fazia também lá na garagem, para estudo de ritmo. Eu lembro que o Beto era um cara com quem eles reclamavam muito. Quando a gente está começando a tocar, tem uma tendência a correr, é a chamada acelerada, começar a tocar rápido e perder o andamento. Estava sempre o Vermelho reclamando com o Beto: “Está correndo, não puxa não”. Então a gente colocava o disco e o cara ficava ouvindo, aí a gente abaixava o som e o cara ficava contado: (estalando os dedos) “Aumenta o som para ver se você ainda está” (risos). E era impressionante como o Beto realmente conseguia não perder o beat, o andamento. Tinha essas maluquices assim.

FORMAÇÃO MUSICAL
Preferências Musicais

Ouvia-se muita MPB também, ouvia-se tudo e só ouvia-se coisa boa. E a discoteca era bem... A qualidade primava nesse pessoal.
Desse época, acho que era mais a galera daqui mesmo e pouco depois veio o Guilherme Arantes, se ouvia muito as coisas do Guilherme. Deixa eu ver quem mais entrou... Ah, eu não lembro, eu teria que olhar lá nos meus vinis pra ver o que é que tem. Mas eu lembro que a gente escutava muito o pessoal daqui, era mais o trabalho desse pessoal mesmo, Toninho, Tavinho, eles levavam essas coisas. E eu principalmente escutava muito rock inglês, além do que estava aqui. Eu era garoto, 14, 15 anos, com Guitarra na mão... (risos).

PESSOAS
Lô Borges

Eu lembro uma história muito engraçada com o Lô. Um dia nós estávamos lá em casa de manhã e ele chegou com o Opala do pai dele, do Seu Salomão: “Ah, vamos lá pra Santa Tereza, vamos tocar”. E saímos eu, o Paulinho, o Lô, não sei se o Mario Castelo estava, e fomos para Santa Tereza, tocamos Violão , e tomamos umas duas ou três cervejas por lá. Na volta, o Lô saiu em frente de um pronto-socorro que tem ali na viradinha para entrar na minha casa. Ele entrou ali com tudo e a traseira do Opala foi lá do outro lado e voltou, e quando voltou estava do meu lado. Eu falei: “Iiiiiih!” e levou metade de uma árvore e nós falamos assim: “Noossaa!”. Aí nós paramos lá em casa e o Lô falou: “Seu Salomão vai me matar!”. E nós ficamos desesperados: “E agora, como é que vai ser?”. Aí o Lô voltou pra casa e eu sei que deu um barraco danado, ele deve ter escutado muito do Seu Salomão nesse dia por conta disso. Eu não sei se ele pegou o carro emprestado, se foi assim, depois eu tenho até que perguntar pro Lô, mas foi uma história engraçada. E teve várias de a gente estar tocando na garagem achando que só tinha a gente – porque essa porta da garagem era de madeira, então tinha umas frestas muito grandes embaixo – e quando parava o som, o pessoal lá de fora gritava: “Êeeeee! Valeu!”, aquele cheiro de maconha desgraçado do lado de fora e a gente olhava pela fresta e tinha 20, 30 malucos sentados na porta escutando em silencio, não davam um pio, a gente nem sabia que eles estavam lá. E aí virou point, o pessoal já sabia: “Hoje o pessoal está lá”. E a gente olhava pela frestinha e via aquele bando que, respeitosamente, não conversava, não fazia barulho, não fazia nada, platéia mesmo, sem saber. E com uma porta de madeira na frente. Eles não viam a gente, só ouviam, isso é uma coisa bacana, essas não voltam mais.

FORMAÇÃO MUSICAL
Clube da Esquina: Museu

Eu acho superbacana, não só porque vai juntando novamente essas pessoas de certa forma – porque depois dessa época cada um consolidou sua carreira. Nós construímos a nossa porque já existia o Clube quando eu comecei, mas hoje faz 30 anos que eu estou com o 14 Bis, então essa história pra mim tem 35 anos ou um pouco mais. E hoje a gente está encontrando novamente as pessoas, vendo o Marcinho, vendo todo o pessoal aqui de novo, o Flávio está voltando para Belo Horizonte, voltando a morar aqui, então eu acho que é legal porque vai trazer um pouco daquilo, só que agora um pouco mais profissional, mas sem perder aquela mesma força e aquela mesma idéia que teve quando começou. Começou sem ninguém falar: “Vamos começar alguma coisa”. Não teve nada disso, pelo o que eu sei, porque eu não vi realmente o começo do Clube da Esquina, eu já o vi um pouco existindo, mas nunca percebi nada desse tipo. Se foi um movimento, é porque tinha que ser, ninguém quis fazer um movimento, ele se tornou um movimento. Acho que agora que de novo estão se juntando essas pessoas quem sabe não vem coisa nova aí.

FORMAÇÃO MUSICAL
Clube da Esquina: Avaliação

Eu acho que o Clube da Esquina influenciou e está influenciando todo mundo. Você vê o pessoal, o Samuel, do Skank, fala muito, foi uma pessoa que se influenciou muito com o trabalho principalmente do Lô. Hoje em dia eles trabalham juntos inclusive. Você vê nas composições que tem ali a influência. E muita gente saiu do interior de Minas, do norte de Minas e veio pra cá por conta disso, por conta desse movimento musical que foi aqui. Então eu acho que foi um pólo, um ímã que atraiu muita gente boa que daqui foi para o mundo. Dizem que o Clube é do mundo. Ele saiu daqui para o mundo, realmente. Ele primeiro trouxe pra dentro pra depois levar de novo.